quarta-feira, 10 de fevereiro de 2010

A miragem

Perguntaste se te podias sentar. Olhei-te com espanto pois não estava à tua espera, mas tu entraste , sentaste e ficaste. Não sei se foi o desejo de querer algo mais, de esperar por quem não mais vinha, se foste, és ou serás especial. Não sei sequer se te voltarei a ver, não sei nada sobre ti, apenas sei que ficaste no meu pensamento.
Gostava de te voltar a ver, apenas para não esquecer.





"Não ter emoções, não ter desejos, não ter vontades,
Mas ser apenas, no ar sensível das coisas
Uma consciência abstracta com asas de pensamento,
Não ser desonesto nem não desonesto, separado ou junto,

Nem igual a outros, nem diferente dos outros,
Vivê-los em outrem, separar-se deles
Como quem, distraído, se esquece de si…"


"Trago dentro do meu coração,
Como num cofre que se não pode fechar de cheio,
Todos os lugares onde estive (...)"


"Estatelo-me ao comprido em toda a vida
E urro em mim a minha ferocidade de viver (...)"


"Meu coração, o almirante errado
Que comandou a armada por haver
Tentou caminho onde o negou o Fado,
Quis ser feliz quando o não pôde ser.
E assim, fechado, absurdo, postergado,

Dado ao que nos resulta de se abster,
Não foi dado, não foi dado, não foi dado
E o verso errado deixa-o entender.
Mas há compensações absolutórias

Na sombra — no silêncio da derrota
Que tem mais rosas de alma que as vitórias.
E assim surgiu, Imperial, a frota

Carregada de anseios e de glórias
Com que o almirante prosseguiu na rota."


"Penso em ti no silêncio da noite, quando tudo é nada,
E os ruídos que há no silêncio são o próprio silêncio,
Então, sozinho de mim, passageiro parado
De uma viagem em Deus, inutilmente penso em ti.
Todo o passado, em que foste um momento eterno,

É como este silêncio de tudo.
Todo o perdido, em que foste o que mais perdi,
É como estes ruídos,
Todo o inútil, em que foste o que não houvera de ser
É como o nada por ser neste silêncio nocturno.
Tenho visto morrer, ou ouvido que morrem,

Quantos amei ou conheci,
Tenho visto não saber mais nada deles de tantos que foram
Comigo, e pouco importa se foi um homem ou uma conversa,
Ou um povo omitido pelo mundo,
E o mundo hoje para mim é um cemitério de noite
Branco e negro de campas e árvores e de luar alheio
E é neste sossego absurdo de mim e de tudo que penso em ti."

[Fernando Pessoa, Álvaro de Campos]